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Satanás exorcizado no metrô


Exú Sete Capas. Coleção Museu da Polícia Civil do Rio de Janeiro
Luiz Alphonsus
Uma amiga postou esta semana, em uma rede social, a descrição de um evento que vivenciou no metrô. Pedi-lhe permissão, de pronto consentida, para fazer algumas considerações sobre o acontecido. Antes, transcrevo trechos do ocorrido.
“Acabo de viver uma situação muito perturbadora. Entrando na estação São Conrado do metrô, a caminho do trabalho, uma jovem ao meu lado começa a correr e a gritar. Passa por cima da catraca gritando coisas desconexas e os dois seguranças que estavam ali tentam contê-la. Ela grita muito, empurra os seguranças, anda em círculos. Enquanto eu procuro algum serviço de atendimento médico da concessionária (que, pasmem, não existe), uma terceira mulher entra em cena. Se aproxima da jovem, a segura com firmeza e grita alto “Em nome de Jesus, sai do corpo dela!”. A cena segue com crescente violência: a mulher gritando cada vez mais alto, segurando a jovem com cada vez mais força, e a jovem cada vez mais agitada. Chamo os bombeiros. O funcionário do metrô me repreende, dizendo tratar-se de ‘coisa de espírito’. Mais e mais pessoas se juntam à sessão de exorcismo com total conivência dos funcionários. (…) uma psicóloga tenta intervir. Calmamente diz que trabalha em enfermaria psiquiátrica, que tem experiência com esse tipo de situação e que pode ajudar a moça. Os seguranças não deixam, reafirmando ser ‘coisa do satanás’ (…) peço para a população em volta deixar a psicóloga atuar. Sou agredida por muitos, que me acusam de estar atrapalhando. Os bombeiros demoram uma eternidade. Enquanto isso, uma verdadeira batalha é travada ali: uma batalha de saberes que rapidamente se converte também em uma batalha de classes. De um lado os evangélicos, quase todos moradores da Rocinha, insistindo em tirar o diabo do corpo da jovem; do outro eu, a psicóloga, um professor de música da UFRJ e uma aluna de engenharia da PUC (negra, moradora da rocinha), insistindo se tratar de um caso psiquiátrico.”
Ao ler depoimento me lembrei de muitas outras cenas semelhantes que demonstram o convívio cotidiano dos brasileiros com espíritos. Eles nos rodeiam e precisam ser exorcizados ou controlados pela interferência de padres, pastores, pais e mães-de-santo, médicos ou até julgados por juízes nos tribunais.
Se a cena tivesse ocorrido há quarenta anos o espírito teria outro nome. Não seria satanás. Seria um espírito obsedado, de pouca luz ou uma Pombagira com seu jeito especial de gritar, de retorcer o corpo, de crispar as mãos e de produzir uma gargalhada estridente.
Espíritos são presença constante na nossa história. O primeiro código penal republicano, de 1890, em seu artigo 157 proibia:
“ Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio e amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim para fascinar e subjugar a credulidade pública.”
Este artigo levou muitos médiuns, pais e mães-de-santo para a prisão até 1942, quando foi substituído pela proibição do curandeirismo e da prática ilegal da medicina.
Se a lei republicana proibia a magia e seus sortilégios e até hoje o curandeirismo, supõe-se que os legisladores participam da crença de que o mundo é habitado por forças espirituais ou espíritos e que eles podem fazer o mal.
Descrevi e analisei no livro Medo do feitiço mais de quarenta processos da “Belle Époque” carioca nos quais foram levados aos tribunais pessoas acusadas de prática da magia e seus sortilégios. Havia muitas acusações. Em alguns casos, espíritos apareciam em encruzilhadas e eram levados para as delegacias. Até os anos 1980 encontrei processos em que Pombagiras davam depoimentos a delegados de polícia e pastores, padres e médiuns eram chamados, em vão, para tentar convencer o espírito a deixar o corpo da pessoa acusada.
O que hoje salta aos olhos é a presença de satanás que outrora mal aparecia no dia-a-dia de nossas vidas. Satanás nem era mencionado nos muitos processos judiciais em que espíritos produziam o mal e seus médiuns ou “cavalos” eram criminalizados.
Minha amiga e duas ou três outras testemunhas do caso ocorrido na estação do metrô do Rio de Janeiro discordaram do tratamento dado à moça possuída por satanás e tratada ali mesmo com o exorcismo, muito praticado hoje nas igrejas evangélicas. Elas preferiam a intervenção de uma psicóloga e chamaram o Corpo de Bombeiros.
Ao fim e ao cabo, os paramédicos do Corpo de Bombeiros levaram a moça, para o Instituto Felipe Pinel, como manda o protocolo. Lá, segundo alguns depoimentos de médicos e enfermeiros que recolhi há tempos, a pessoa que está assim descontrolada, em surto, é levada para um ambulatório no segundo andar do prédio. Dizem eles: “O Pinel é o único lugar em que se vai ao inferno subindo”. O surto psicótico é dramático e extremamente doloroso. O sofrimento do doente se parece mesmo com a descrição agônica do inferno onde habitam os demônios.
Fonte: http://g1.globo.com/dynamo/pop-arte/rss2.xml

Marcos Morrone

Nascido em São Paulo Capital. CEO do Grupo Morrone Comunicações Ltda.

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